terça-feira, 23 de novembro de 2010

A carta pelo Hospital Clériston Andrade


Autoria: Prof César Oliveira
Doutor em Medicina e Saúde Humana

Prezado Sr. Secretário de Saúde Jorge Solla,

Inicialmente, gostaria de parabenizá-lo pela vitória indiscutível de seu governo e ampliação da rede hospitalar, deficiência de muitos anos na Bahia. Escrevo-lhe como médico do HGCA, desde 1989, e como um dos fundadores e Coordenador, por seis anos, da Faculdade de Medicina, pela qual tenho especial estima.

Senhor Secretário, sei que não existe investimento inadequado em Unidade de Saúde e, com o tempo, o Hospital da Criança (HEC) estará ocupado, espero que o mais acelerado possível, porque é angustiante ver modernas instalações sem utilização plena. Mas, ao optar pelo HEC, priorizando-o em detrimento de um Hospital Geral - talvez por dados que eu não conheça-, com maior demanda populacional e de serviços, o senhor relegou o HGCA a uma situação crítica. Sim, porque o governo não deve ter fôlego para fazer um segundo hospital aqui do mesmo padrão. E o HGCA, a prática de saúde e ensino, não merecem instalações menos adequadas do que as existentes no hospital infantil.


V.Sa. poderá dizer que o HGCA recebeu investimentos, a exemplo do bom Centro Cirúrgico, Refeitório, Central de Esterilização e outras ações pontuais, mas V.Sa. sabe que estamos primitivamente aquém do que é a realidade da ação médica, da capacidade de diagnóstico e terapêutica, da otimização de resultados, da eficiência que reduz custos, aumenta rotatividade e da hotelaria que conforta minimamente profissionais de saúde e pacientes.


A quantidade de leitos é absurdamente inadequada; pacientes esperam liberação na sala de pós-anestésico; os corredores da Cirurgia viraram leitos oficiais com um amontoado de patologias que aumentam as infecções cruzadas, levam ao surgimento de bactérias super-resistentes - já existentes- e, estas condições aumentam o risco de erros médicos, administração inadequada de medicamentos e procedimentos como mostram dados publicados nas melhores revistas médicas.

Há procedimentos e exames elementares que ainda lutamos para obter. A endoscopia não funciona, a radiologia é limitada, e, por incrível que pareça, não temos um Ecocardiógrafo, que custa R$120 mil reais, no maior Hospital do interior, na segunda cidade do estado. Aliás, peço-lhe encarecidamente que nos forneça um com a máxima urgência. Isto, hoje, é exame primário.


Não se faz Medicina, o senhor sabe, sem laboratório, e o nosso tem limitações incompatíveis com o hospital de referência da região. Vivemos pedindo favores externos, contando com a ajuda de familiares para investigações imunológicas, PSA, dosagens hormonais, e, ainda assim, Sr.Secretário, temos feito diagnósticos de grande requinte e dificuldade, salvando muitas vidas. Ter de contar com eventuais exames feitos no LACEN, em SSA, recebidos quatro meses depois, chega a ser cruel, porquanto inútil.

Ressalto que o HGCA é grande polo formador de mão-de-obra médica e de outras áreas. Formá-la bem faz parte do compromisso e responsabilidade da política de ensino do Estado. Além do Internato de Medicina da UEFS, temos Residência Médica há 15 anos, e parte dos profissionais que atuam na região foi formada por nós. O fato de ser um hospital com ensino permite que ele receba verbas diferenciadas do governo federal e, como o senhor é um homem de Academia, sabe o quanto é fundamental que assistência e ensino caminhem ombreados.


Há, ainda, Secretário, o ambulatório que precisa tornar suportável sua hotelaria para atendimento neste sertão, com reordenação, ampliação e climatização. E também a Emergência. Prescrevo cotidianamente lá, e as condições são terríveis. Estou certo que, se o senhor a visse sem a maquiagem que alguns diretores erroneamente costumam aplicar, quando das visitas de autoridades, sua alma médica falaria mais alto e o senhor determinaria uma intervenção radical e imediata. Até porque a construção da UPP irá superlotar as já abarrotadas, insalubres e caóticas enfermarias da urgência.

Acredite, Secretário, não escrevo politicamente, pois não tenho filiações partidárias, nem preferências ideológicas que não sejam o que acho correto na minha prática de ensino e médica. Escrevo-lhe, entre outros motivos, porque presenciei um filho, de 18 anos, com desespero nos olhos e responsabilidade nas mãos, sentado à cabeceira do pai entubado, apertando o ambu que o ajudava a respirar, por 12 horas seguidas. Chocado, com a parte que a prática ainda não endureceu, cacei um respirador com a enfermeira e o instalei. Ao voltar, mais tarde, o jovem dormia exausto, livre de tão pesado encargo, registrada em imagem fotográfica, que guardarei para minha memória de instantes do que ser médico nos proporciona e para os momentos que puder ensinar aos alunos.


É uma emergência, Secretário. O HGCA exige, grita rudemente no silêncio doloroso das vidas perdidas, e no júbilo das que são e das que podem ser salvas, por uma intervenção ampla, urgente, um mutirão administrativo, uma força-tarefa que amplie seus leitos, implante serviços especializados, organizados, com sua diversidade de procedimentos, que traga os equipamentos necessários para atender às demandas técnicas e também às de ensino.


Nós, professores, temos a obrigação ética de entregar à sociedade um profissional qualificado. Afinal, a Medicina não permite falhas ou improvisações, por terem consequências letais.

Senhor Secretário, acredito na sua capacidade de realização. Sou apenas uma voz tomada pela emoção dos fatos e pelo apreço à profissão e ao ensino, desabafando nesta modesta mas valorosa Tribuna. É possível que jamais venha a ler esta carta, mas me sentiria menos digno de meus alunos, menos merecedor de minha arte médica, e menos cidadão se não a fizesse.

Na certeza de sua compreensão e atendimento, despeço-me.

Prof César Oliveira
Doutor em Medicina e Saúde Humana


Fonte: Site Jornal Tribuna Feirense

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